Therezinha Brandolim de Souza, 84, era analfabeta até os 82 anos, momento no qual, após diversas tentativas anteriores, aprendeu a ler. Na mesma época, sem nenhuma experiência prévia, começou uma promissora carreira nas artes plásticas e, dois anos depois, já realizou exposições em cinco cidades brasileiras e vendeu quadros até para o exterior. Tetê, como gosta de ser chamada, é apontada por especialistas como exemplo do desenvolvimento cerebral humano, uma amostra que é possível, sim, aprender na terceira idade.
Neta de imigrantes italianos, Tetê nasceu em Monte Azul Paulista (400 km de São Paulo) e, como milhares de paulistanos no interior de São Paulo, trabalhou na roça e não teve chances de se alfabetizar. Mãe de cinco filhos, mudou-se para Ribeirão Preto em 1974, já viúva, onde trabalhou como faxineira e foi dona de casa.
Após a aposentadoria, tentou aprender a ler inscrevendo-se nos cursos de EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas não teve sucesso. No total, foram dez anos de matrículas, entre 2000 e 2010. Os professores da época diziam que ela tinha algum tipo de bloqueio. "Tinha muita coisa que não tinha nada a ver comigo. Eu simplesmente não conseguia. Tentei muito, mas acabei deixando esse sonho de lado", disse.
O sonho ficou adormecido até 2013, quando uma de suas filhas, Maria Zulmira, fez contato com a educadora Jany Dilourdes Nascimento, especializada no Método Paulo Freire. Foi com ela que Tetê finalmente conseguiu realizar seu sonho. E foi também com Jany que ela iniciou um caminho que não esperava seguir: as artes plásticas.
Durante uma das aulas, na qual Tetê escreveria mensagens de Páscoa para familiares, Jany levou chita para fazer a decoração dos cartões. As flores recortadas que sobraram se transformaram no primeiro quadro. Era abril de 2013. De lá para cá, Tetê não parou mais. "Comecei brincando e deu certo. Continuo brincando até hoje", conta a artista.
Em pouco mais de dois anos de atividade artística, ela já produziu mais de 150 trabalhos tendo a chita como principal matéria-prima, sendo que alguns deles foram vendidos para o exterior. O mais caro custou R$ 1,5 mil. Também já grafitou no Minhocão em São Paulo e sonha em fazer um mural num grande painel, expor em muitos lugares e ir para Nova Iorque.
Questionada, Tetê deixa a modéstia de lado e acredita que outras pessoas podem seguir o exemplo dela na velhice. "Eu acho que sou exemplo sim. Acho muito bom porque, ao invés de olhar para as paredes, eu faço uma coisa. Gostaria de falar para as pessoas se animarem, fazerem qualquer trabalho. Eu acho que Deus deu a vida, então qualquer pessoa viva pode realizar o seu sonho", disse.
"Envelhescência"
O exemplo de Tetê, segundo a gerontologista Rosa Chubaci, coordenadora do curso de graduação em Gerontologia da USP (Universidade de São Paulo). mostra uma mudança de tendência no processo de envelhecimento. "Antes, dizia-se que a terceira idade era marcado por um declínio da capacidade de aprendizado. Hoje, vemos, cada vez mais, um envelhecimento ativo. Os idosos de hoje querem oportunidades, querem concretizar seus sonhos", afirma.
O gerontologista Fernando Bignardi, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) informa que essa etapa da vida atualmente passou a ter três novas fases, chamadas de processo de "envelhescência", que compreende pessoas com idade entre 60 e 75 anos, de 75 aos 100 anos, e os centenários. "A sociedade sempre considerou a velhice um momento terrível e hoje a gente se pergunta o que vai fazer com 25% da população com mais de 60 anos. A expectativa, antes, era se aposentar e viver mais alguns anos. Hoje, a pessoa com mais de 60 anos está começando".
Bignardi estudou o caso de outros 140 idosos que desenvolveram novas habilidades na terceira idade, a degeneração do cérebro, natural nessa etapa da vida, não significa incapacidade de conquistar novas habilidades. "Observamos que casos como o da Tetê, onde uma habilidade desabrocha, não são incomuns. Os idosos também têm este potencial. E, mesmo com certa dose de degeneração, ainda há espaço para o desenvolvimento cerebral contínuo", conta.
Os números também comprovam que, cada vez mais, os idosos estão deixando de pertencer ao estereótipo da "vovó que faz tricô" e do "vovô que cuida do jardim". De acordo com dados do MEC (Ministério da Educação), no ano passado, o total de pessoas com acima de 60 anos inscritas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) aumentou 42% em relação a 2013. No total, foram 15,5 mil inscritos. "Eu terminei o Ensino Fundamental, que tinha deixado, na quinta série, há 45 anos, depois fiz o Ensino Médio e agora quero cursar Psicologia", conta o aposentado Francisco de Araújo, 70.
De acordo com o gerontologista Diego Miguel, do Centro de Referência do Idoso em São Paulo, isso ocorre porque hábitos mais saudáveis, aliados aos avanços da medicina, derrubam os limites físicos que caracterizavam o envelhecimento. "A rotina é deixada de lado com a aposentadoria, mas é hora de alimentar projetos pessoais e até investir em uma guinada profissional", diz.
Fonte: UOL
Reportagem: Eduardo Schiavoni.
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